Educação Inclusiva: derrubar as barreiras é para toda a escola!

Esta série de relatos foi feita em parceria com o Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença (LEPED-Unicamp). Mariana Rosa, mulher com deficiência, jornalista, educadora, mãe de Alice, que tem paralisia cerebral, e ativista pelos direitos das pessoas com deficiência – entrevistou educadoras e educadores brasileiros que dão exemplos de como é possível construir ambientes escolares que reconheçam as diferenças e acolham a todas e todos.

Lilian Poleto Lesina é professora licenciada em Educação Especial pela Universidade de Santa Maria (RS) e trabalha em uma escola comum de educação infantil da rede municipal de Florianópolis.

“Em tese, não seria necessário falarmos em inclusão. Uma escola que cumpre seu papel, é democrática, acessível, é o lugar para todos estarem e aprenderem juntos”.

Se precisamos afirmar a perspectiva inclusiva é porque há crianças e jovens sendo excluídos nesse processo. Quem são eles? Meu trabalho é justamente identificar as barreiras que impedem ou dificultam o acesso, a permanência e a participação desses estudantes na escola comum e propor recursos, ferramentas e abordagens para que ninguém fique para trás.

Eu penso que o papel do Atendimento Educacional Especializado precisa ser expandido, permear toda a escola. Não faz sentido ficar restrito a um espaço, a uma sala de recursos, por exemplo. No meu cotidiano na escola, tento dividir o tempo na compreensão das relações, do ambiente, dos contextos, não foco meu trabalho apenas na educação especial. Eu vou para a sala de aula, converso com a equipe diretiva para ter mais apoio no momento das orientações, fico atenta a tudo que possa garantir um ambiente de aprendizagem adequado a todos os alunos e a cada um.

Uma das compreensões mais importantes que precisa se consolidar na escola é a de que o estudante com deficiência, a criança, é responsabilidade da unidade inteira, e não do professor do Atendimento Educacional Especializado (AEE). Isso porque atribuir essa responsabilidade unicamente ao profissional de AEE é como assumir que o aluno com deficiência é um tipo específico de criança que depende de um saber específico ou de uma especialidade.

Quando há essa crença, o saber fica segmentado. É como se o profissional ser especialista em braile, em comunicação alternativa, em libras, em autismo, em síndrome de down para estar apto a ensinar àquele aluno. São saberes importantes, mas não são suficientes porque nenhuma criança se encerra em seu diagnóstico, e nenhum recurso remove barreiras por si só. É preciso desconstruir esse lugar de poder que o professor especialista acaba tendo na escola, como se a gente fosse o “salvador da lavoura”. Isso não é verdade. Ou melhor, isso ocorreu em outro momento da história da Educação, mas está superado. A perspectiva inclusiva nos ajuda a compreender que a educação especial é um apoio à escola e que o percurso escolar de cada criança é construído em diálogo com ela, e não por ela.

Na minha experiência, já vivi muitas situações desafiadoras e a relação com as famílias costuma requerer uma atenção maior. Lembro de quando recebi, na escola, uma criança com paralisia cerebral, com limitações motoras importantes. Observava que ela estava sempre nos braços de um adulto, superprotegida, cercada de cuidados excessivos. Além disso, a mãe, que havia ficado um ano com aquela criança no hospital, também tinha muitos receios. Então, fui trabalhando com os professores no sentido de desafiar essa criança com oportunidades similares àquelas que proporcionávamos aos seus colegas, ou seja, expondo-a ao convívio com os pares, aprendendo com eles. Nós nos cercávamos de cuidados, mas também entendíamos que era seguro e importante que ela tivesse aquelas experiências.

O desejo da mãe é que sua filha andasse sozinha, mas, na prática, nós percebíamos que a criança estava vivenciando muitas restrições por conta de um sonho de normalização. Ela olhava de cima para as outras crianças, porque estava, invariavelmente, no colo de um adulto, e não no chão com as outras. O colo era, nessa situação, uma barreira, travava a espontaneidade da aproximação. Consegui, então, uma cadeira de rodas e ela pode ficar mais no chão com outras crianças, e, consequentemente, o cuidado com ela passou a ser partilhado com várias pessoas. Foi uma longa caminhada com essa criança: de estímulo, de desafios para a família. Mas foi bonito ver a assunção de sua autonomia. Ela passou a ir até a biblioteca para escolher o livro dela, ia para o parque, voltava quando quisesse. Foi importante não só para ela, mas para toda a comunidade escolar pensar em diferentes estratégias a serem proporcionadas.

Depois veio um estudante que se alimentava por sonda. No início, quando o professor de educação especial não estava, era um desespero, como se ninguém pudesse apoiar a criança no uso da sonda para se alimentar. Aos poucos, aquilo foi se tornando rotineiro, comum, e toda a comunidade passou a cooperar, deixou de perceber aquela necessidade como um problema específico e incorporou-a como parte do cotidiano.

Então, é preciso frisar: não é uma fórmula, é uma dinâmica. O professor da sala de recursos não é aquele que saca recursos super tecnológicos da cartola ou que atende a criança com deficiência na sala separada para devolver o mais normalizada possível para a sala de aula comum. Não! Nós encontramos respostas porque observamos o que a criança necessita, o que ela nos informa, deixamos que ela seja nossa mestra e, assim, podemos endereçar as barreiras do nosso contexto. As respostas não estão a priori dentro da gente, aguardando serem encontradas, como se nós fôssemos o oráculo da inclusão. Elas se fazem a partir de nossa disposição ao encontro com o outro e com os saberes necessários, e tem como premissa o compromisso ético com a educação enquanto direito fundamental.

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